Quase sempre recebo perguntas sobre como eu me tornei uma mulher empoderada,
quais mecanismos adotei para alcançar o
meu amadurecimento e quais são as
minhas dicas para estimular o Empoderamento de outras pessoas
(Especialmente Mulheres Negras). Eu sempre sorrio diante desses
questionamentos, primeiro porque apesar de ouvir essas perguntas frequentemente
eu sou sempre surpreendida por elas e segundo por não saber descrever de
maneira sucinta o meu caminho até aqui.
Sabe, não existe uma receita de bolo, eu não tenho um
passo a passo para indicar, mas gostaria de compartilhar algumas situações que
estão presentes nas minhas vivências e que de alguma maneira contribuíram (e
contribuem) para o meu processo de amadurecimento e empoderamento cotidiano.
O primeiro ponto que eu destaco sempre é o lugar
de onde eu falo. Eu nasci no interior da Bahia (Santo Antônio de Jesus), porém
aos oito meses de nascida fui morar em Mutuípe, lugar onde vivi até os 18 anos
de idade. É comum imaginarem que eu sou cria das grandes metrópoles, no
entanto, sou cria do interior.
Fui criada por 4 mães pretas e consegui
identificar o machismo muito antes de compreender o que era o racismo. Costumo
dizer que fui criada numa bolha, durante a minha adolescência não tive contato
com nenhuma prática preconceituosa explícita, não de uma maneira que me
traumatizasse. Durante a minha adolescência não fui xingada, agredida ou
humilhada por ser quem eu sou, mesmo assim, existiam as práticas de opressão veladas
e por causa delas eu queria fazer parte de um padrão estético que não me cabia.
Por isso, fiz algumas dietas, péssimas dietas, me frustrei inúmeras vezes.
Quando cresci e ingressei no curso de História,
este se tonou um marco importante no meu processo, no entanto, não ingressei no
curso alheia ao mundo. Em 2013 quando ingressei na faculdade eu ainda não era
uma ciberativista, mas já havia começado a escrever no Mais Íntimo desde 2011, ou
seja, em 2013 o meu paginômetro (contador de páginas do Skoob) já era algo que
eu me orgulhava. Mesmo assim, li no decorrer do ano de 2013, 16.522 páginas
somando um total de 60 livros, (e nessa conta não entra os textos da faculdade,
ok?). Também em 2013 fui selecionada para ser bolsista do Pibid (Programa
Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência) cujo objetivo do sub-projeto
era (e ainda é) a aplicação da lei 10.639/03 – que torna obrigatório o ensino
da história e cultura afro-brasileira e africana nas redes públicas e
particulares da educação.
E o que tinha de errado com as minhas 16.522
páginas lidas?
Dos 60 livros lidos, apenas 04 livros foram
realmente importantes para o meu processo de amadurecimento, e chegaram até mim
através da academia, sendo eles:
01. A formação da elite colonial de Rodrigo
Ricupero.
02. A identidade cultural na pós-modernidade de
Stuart Hall;
03. Cultura: um conceito antropológico de Roque
de Barros Laraia; e
04. Imagens da Colonização: Representação do
Índio de Caminha a Vieira de Ronald Raminelli
No dia 01 de Janeiro de 2014 eu conheci o
Orangotag (Rede social para organizar as séries de TV assistidas) e me
disponibilizei a assistir, no decorrer do ano, 2.600 episódios de séries. Após o
incômodo causado com as 16.522 páginas lidas, eis que os 2.600 episódios também
me incomodaram bastante. O que aconteceu comigo?
Eu me tornei ciberativista em 2015, influenciada
por todos esses incômodos e por coisas que estavam acontecendo na minha vida
que me deixavam retada, extremamente furiosa. E poder falar abertamente sobre
isso foi um alívio e perceber que eu não estava sozinha nessa angústia mudou
minha vida.
O espaço acadêmico me apresentou possibilidades, novas perspectivas e eu comecei a visualizar o mundo de outra maneira. Na verdade, a academia me preparou (não intencionalmente) para transgredir, ela me deu os meios, me ensinou a pesquisar, selecionar, fazer recorte, argumentar, utilizar citações e também me empurrou goela abaixo um monte de autores eurocêntricos, o que foi fundamental para que crescesse em mim o desejo de ressignificar. Afinal, foi a própria academia que me instruiu para isso. A academia me deu os métodos e eu decidi como iria utilizá-los.
Não conheci Beatriz Nascimento, Conceição
Evaristo, Gloria Anzaldúa, Lélia Gonzalez, Audre Lorde, Chimamanda Ngozi
Adichie, Paulina Chiziane, Jurema Werneck, Sueli Carneiro e inúmeras outras
escritoras(es) negras na academia. Infelizmente, durante as inúmeras
disciplinas que cursei meus/minhas docentes não recorreram a elas. No entanto,
tive professores(as) negros(as) que dialogaram sobre questões de gênero, classe
e raça e me apresentaram autores como Bell Hooks, Kwame Nkrumah, Joseph
Ki-Zerbo dentre outros.
A academia me possibilitou, me ensinou e eu
aprendi perfeitamente como e onde encontrar as fontes que eram fundamentais
para minha vida. Além disso, eu estive em uma situação privilegiada por ter
docentes negros(as) dispostos a dialogar e contribuir com o meu processo de
ensino-aprendizagem. E isso foi importante para minha vida profissional, mas
principalmente para minha vida pessoal, para manutenção da minha estima. Pude
perceber que nós (Negros e Negras) produzimos, escrevemos e somos bons nisso!
Atualmente o coordenador do meu colegiado é um
homem negro que atua na área de África (E faz isso muito bem) isso é
empoderador. E é por isso que afirmo que eu estive numa situação de privilégio,
pois eu e meus/minhas colegas partilhávamos de semelhanças significativas, referências
e inspirações. Nos corredores da universidade eu me vejo e vejo os meus/minhas.
Acredite, isso é importe, isso é empoderador!
E alguns (pouquíssimos/as) docentes
não-negros(as) demonstram uma certa preocupação com essas questões. Cursei a
disciplina de “Gênero e História”
duas vezes, com duas docentes distintas. Na primeira vez cursei como disciplina
obrigatória com uma docente branca e na segunda cursei como ouvinte, por
escolha, com uma docente negra. Ambas foram fundamentais para o meu processo de
amadurecimento, ambas contribuíram de forma significativa para minha formação,
pois mesmo sendo a mesma disciplina as perspectivas de uma mulher negra e de
uma mulher branca nunca serão as mesmas.
Então, voltando aos questionamentos do início
desse texto:
Como eu
me tornei uma mulher empoderada?
É um processo contínuo, costumo ser boa ouvinte,
excelente leitora e uma escritora sincera (principalmente comigo mesma).
Quais
mecanismos adotei para alcançar o meu amadurecimento?
Leitura, Escrita e Fotografia.
Quais
são as minhas dicas para estimular o Empoderamento de outras pessoas (Especialmente
Mulheres Negras)?
Se disponibilizem, se permitam conhecer novas
perspectivas. Fujam do “é minha opinião” e tentem encontrar outras inúmeras
opiniões sobre determinado assunto. Empoderamento é conhecimento!
Parabéns pelo texto. E dele consigo tira a seguinte reflexão: Que esse empoderamento possa chegar cada vez mais cedo para nós, mulheres negras, e a gente, na condição de militantes e professoras, possamos contribuir logo no ensino Fundamental I e II, porque é tão doloroso para uma preta passa pela adolescência se odiando por ser quem é. No mais, parabéns.És um exemplo.
ResponderExcluirOrgulhosa pelo seu crescimento. E ele é infinito. Bj
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